A vontade de comer algo específico ou esquisito, que muitas mulheres sentem durante os nove meses, é mais comum do que se imagina. As alterações hormonais e emocionais às vezes levam o organismo a “pedir” por substâncias até inusitadas. Veja o que essas esquisitices podem dizer sobre a saúde da gestante
Sorvete com bacon, doce de leite com jiló, melancia com maionese, feijão com chocolate… Até a cantora americana Beyoncé passou por esse paladar estranho na gravidez – ela comeu banana com ketchup na gestação da sua primeira filha, Blue Ivy Carter, 4 anos. Por muito tempo, esses desejos incomuns eram considerados manha de grávida. Afinal, como é que pode alguém querer comer quiabo com chantili às 3 horas da madrugada? Pode, sim! Os especialistas explicam que a grávida não está querendo chamar atenção quando relata esse tipo de desejo. “A gestação é um período de muitas transformações e mudanças hormonais. Há pacientes que têm vontade de misturar alimentos salgados com doces. Outras passam a amar comidas que não gostavam e ainda há aquelas que se sentem atraídas por sustâncias não comestíveis”, explica o médico Eric Slywitch, que é mestre em nutrição pela Universidade Federal de São Paulo.
Não existe um mês certo para essa mudança aparecer, pois o paladar pode modificar de uma hora para outra. Foi o que aconteceu com uma paciente da médica Andrea Pereira, nutróloga do Hospital Albert Einstein (SP) e professora do setor de Obesidade e Endocrinologia da Unifesp. “No meio da gestação, a mãe, que era vegetariana, quis comer carne vermelha. Ela resistiu por conta da filosofia de vida”, informa Andrea, que, devido à estranheza do episódio, solicitou exames laboratoriais para checar se estava tudo OK. Os resultados mostraram que a paciente tinha uma baixa quantidade de ferro no organismo. Especialistas acreditam que isso ocorre porque o corpo é sábio e, para “sobreviver”, emite esses sinais, como os desejos. Com os animais isso é bem comum. Quem nunca viu um gato ou cachorro, quando está mal do estômago ou fígado, procurar por ervas e plantas para amenizar o mal-estar? É claro que não são todas as vontades que indicam doenças ou déficit nutricional. Mas há algumas que estão intimamente ligadas à saúde da gestante. Veja quais são elas.
No começo da gravidez é comum a gestante ter vontade de comer só batata, arroz, massa, biscoitos e, principalmente, doces. Está aí a explicação para querer colocar açúcar em tudo, inclusive em alimentos que, digamos, não combinam nem um pouco, como chantili com quiabo! Essa esquisitice faz sentido, pois os carboidratos são rapidamente digeridos pelo organismo, e, como eles não ficam “parados” no estômago, evitam os refluxos, que acontecem quando os ácidos presentes no sistema digestivo voltam pelo esôfago em vez de seguir o fluxo normal da digestão. Mas o efeito pode ser contrário, pois doces geralmente estão recheados de gordura. “Tanto os alimentos gordurosos (frituras e doces) como os proteicos (carne, queijo, ovos e feijão) são de difícil digestão e podem não cair muito bem em quem tem azia”, orienta Slywitch.
O que fazer:
Como os alimentos líquidos e os pastosos geram mais repulsa na grávida, ela deve ter sempre à mão algo seco, como uma bolacha de água e sal – se possível integral, que é mais nutritiva –, para comer a cada duas ou três horas. E não se pode esquecer de todos os grupos de nutrientes. Os especialistas alertam que cerca de 50% da refeição da gestante deve ser composta por carboidratos e o restante de proteínas, gorduras boas, vegetais e frutas.
Aquele líquido ácido que teima em voltar à boca a todo o instante, o famoso “gosto de cabo de guarda-chuva”, é comum no primeiro trimestre da gravidez e acontece não só por conta das mudanças hormonais, que modificam as papilas gustativas, mas também pela falta de vitaminas do complexo B, sobretudo a B6. “Elas contribuem para a construção de células novas e estimulam a formação dos ácidos digestivos, o que favorece o esvaziamento gástrico, aliviando as náuseas”, explica a ginecologista e obstetra Viviane Monteiro, do Grupo Perinatal (RJ). Algumas grávidas ficam viciadas em oleaginosas (pistache, avelã, castanhas ou nozes). Elas estão certas! Esses grãos contêm boas doses dessas vitaminas e parecem “empurrar” mesmo o líquido ácido para o estômago. Vale ressaltar que a vitamina B6 é essencial para o sistema nervoso do bebê e pode ser facilmente encontrada em forma de suplementos nas farmácias. Porém, a gestante não deve tomar nada sem a indicação de um médico ou nutricionista. “É preciso checar se realmente há falta, pois o excesso também pode ser prejudicial”, adverte Viviane.
O que fazer:
Além das oleaginosas que, aliás, têm muitas calorias e devem ser consumidas com moderação (um punhado por dia), a grávida deve se alimentar com outros alimentos que também são ricos em vitaminas do complexo B, como peixes, fígado, couve e espinafre. Se mesmo assim o mal-estar não passar, o ideal é conversar com o seu médico, pois há medicamentos que contêm essa vitamina e amenizam o incômodo.
Há ainda os desejos específicos e inusitados, como vontade de devorar terra e tijolo. Isso pode ser sinal de falta de ferro e, portanto, uma anemia. “Não se sabe ao certo por que isso ocorre, mas como o ferro está ligado a importantes neurotransmissores, acredita-se que, quando há falta do mineral no organismo, o cérebro dá sinais ao metabolismo e disparam essas vontades”, diz Slywitch. É óbvio que comer tijolo não vai trazer os nutrientes que a gestante precisa. Na maioria dos casos, é necessária a suplementação. Foi o que aconteceu com a advogada Aline Barros, 33 anos, que está grávida de gêmeos e foi orientada pelo médico a tomar um complemento vitamínico após o exame de sangue apontar uma anemia. Ela conta que percebeu que havia algo errado quando passou a ter muita vontade de comer cenoura, beterraba e… terra!“Nunca gostei de cenoura e detestava beterraba. Aí, um dia, pedi para a minha mãe comprar um saco de terra, sem minhocas. Misturei terra com cenoura e comi. Ficou delicioso!”, conta Aline. O curioso é que tanto a beterraba como a cenoura e a terra contêm ferro na composição. Só que é preciso tomar muito cuidado, pois a ingestão de qualquer substância não comestível pode trazer sérios riscos para a grávida e para o bebê (veja a entrevista na próxima página).
O que fazer: Alimentos ricos em ferro, como soja, espinafre, gergelim, lentilha, acelga, carne vermelha e peixe, devem estar sempre presentes na alimentação das grávidas.
Os enjoos, principalmente no período da manhã, são comuns na gravidez e atingem mais da metade (algumas pesquisas apontam até 90%) das grávidas. No desespero de dar uma acalmada nesse mal-estar, muitas sentem desejos por frutas cítricas, como laranja, abacaxi, tangerina e limão. E isso realmente faz sentido, já que os alimentos cítricos também contêm boas doses de vitamina B, que amenizam esse incômodo. Uma pesquisa sobre o consumo alimentar das gestantes, publicado na Revista Latino-Americana de Enfermagem, mostra que a ingestão desse tipo de fruta ajuda na absorção de ferro, principalmente se consumidas junto às principais refeições, como almoço e jantar. Como o ferro é muito importante para a formação do bebê, a gestante pode, e deve, comer essas frutas ou tomar o suco delas antes ou alguns minutos após a refeição por dois motivos: acabar com os enjoos e aumentar a absorção de ferro no organismo. “Só evite tomar os refrigerantes com limão porque eles “dilatam” o estômago, aumentando ainda mais o problema”, explica a nutricionista Juliana Kramer, da Vilarejo Nutrição, de São Paulo, especializada em nutrição materno-infantil. Os enjoos, devido ao cheiro de perfume, produtos de limpeza ou alimentos, também são normais. Nesses casos, o melhor mesmo é evitar o contato com eles.
O que fazer:
Para minimizar o mal-estar, a gestante também deve diminuir a quantidade de comida na refeição e se alimentar de forma mais fracionada, ou seja, comer pouco e várias vezes ao dia.
A ingestão de qualquer substância não alimentar na gravidez pode causar vários problemas tanto para a mãe como para o bebê. Veja os alertas do ginecologista e obstetra José Bento de Souza, dos hospitais Albert Einstein e São Luiz, ambos de São Paulo:
Por que não se deve esconder essas vontades?
É importante o ginecologista saber quando a mulher quer comer melancia com peixe. Essa combinação pode parecer estranha em um primeiro momento, mas é totalmente compreendida devido às mudanças no paladar da gestante. O especialista deve orientar a futura mãe que isso é normal. Ele precisa informar o que ela pode comer e o que merece investigação.
Qualquer alimento é permitido?
A gestante só não deve levar à boca substâncias não comestíveis, como cimento, por exemplo. Geralmente tóxicos, esses ativos agridem o organismo e podem comprometer o desenvolvimento do bebê e a saúde da mãe. Intoxicação, prematuridade e baixo peso ao nascer são algumas das complicações.Dependendo da quantidade e da substância ingerida, pode levar à morte.
E as histórias contadas pelas avós sobre a criança que nasceu com uma mancha em formato de morango porque a mãe não comeu a fruta quando teve vontade?
Não existe nenhum embasamento científico para isso! Nenhum bebê vai nascer com “cara” ou marca de nascença porque a grávida não teve seu desejo alimentar atendido. É preciso fugir dessas crendices e buscar informações seguras e corretas com profissionais especializados. Tem muitas gestantes que perguntam se podem colocar barra de ferro para cozinhar junto com o feijão e, assim, evitar a anemia durante os nove meses. Mas não precisa disso.
Nem usar panela de ferro?
Não. Existem estudos que relatam o aumento da quantidade de ferro dos alimentos quando eles são cozidos com uma barra ou panela de ferro. Só que o risco de contaminação é tão grande que, hoje, com os suplementos, não vale a pena. Afinal, nunca se sabe a procedência do mineral, se ele contém outras substâncias, micro-organismos ou micróbios. O melhor mesmo é evitar!
Sabia que essas vontades também podem estar ligadas a fatores psicológicos? Na gestação, a mulher fica sensível, emotiva e chora com facilidade. Uma forma de suprir essa carência afetiva é por meio da comida. A tradutora Gabriela Pereira, 34 anos, mãe de quatro crianças, sabe bem disso. Ela conta que nas duas primeiras gestações não teve vontades bizarras. Porém, na última, de gêmeos, quis mastigar buchas de lavar louça – aquelas do tipo verde e amarela. “Mascava umas três buchas novas por semana, mas só a parte amarela. É claro que não engolia. A sensação da esponja em atrito com a língua causava bem-estar e acalmava”, diz Gabriela. O hábito foi adquirido, sem o consentimento do médico, a partir do quarto mês de gestação. A fotógrafa Aline Santos, 22 anos, também tinha prazer em comer sabão em pó e sabonete de banho quando estava grávida do filho Theodoro, hoje com 9 meses. Aline conta que era atraída pelo cheiro. “Quando dava vontade, comia um punhado de sabão e lambia o sabonete. Só que a boca começava a arder e eu lavava”, conta.
Não são poucas as mulheres que sentem desejos por substâncias não comestíveis. Pesquisa britânica, feita pela internet com 2,2 mil grávidas, mostrou que 75% delas tinham desejos por comida e um terço sentia vontade de carvão, pasta de dente, sabão… Chamada de picamalácia ou pica, os médicos dizem que não há muitas explicações para isso. “Pode ser tanto para aliviar enjoos ou devido a fatores emocionais”, conclui Andrea.
FONTE: REVISTA CRESCER