Quando Bárbara Ramos Dias estava grávida do segundo filho, Francisca, a filha mais velha, tentava espreitar pelo umbigo da mãe para ver o irmão. E perguntava-lhe “como é que o bebé tinha ido parar lá dentro”. Mais tarde, Vicente, o mais novo, perguntou à mãe se o pai ia morrer quando foi submetido a uma operação cirúrgica. Duas perguntas difíceis entre dezenas. Mãe de três “doces pestinhas”, a psicóloga, especialista em adolescência e parentalidade, habituou-se a responder a questões complicadas. Às dos filhos, dos sobrinhos, das crianças que segue e dos próprios pais.
Agora, a convite da editora Manuscrito , Bárbara reuniu as questões num livro de quase 300 páginas – Respostas Simples às Perguntas Difíceis dos Nossos Filhos -, que pretende melhorar a comunicação entre pais e filhos.
Regra número um: nenhuma das perguntas difíceis podem ficar sem resposta. Esqueça o “não interessa”, “isso não é para a tua idade”, “que pergunta parva” ou “pergunta ao pai”. Não responder não é, de todo, a solução, diz Bárbara Ramos Dias. Se não encontrar nos pais e nos educadores as respostas para as suas dúvidas, a criança irá procurá-las na internet ou nos colegas, onde nem sempre obtém a informação mais correta.
“Sexualidade e drogas são os temas que os pais têm mais dificuldade a explicar, devido aos tabus que ainda existem”, diz ao DN a psicóloga. Em causa, explica, está o facto de acharem que “explicar de mais é incentivar”. Mas o que se passa é exatamente o contrário. “Se tiverem conhecimento, não vão querer experimentar as coisas tão facilmente, porque sabem que faz mal, ou que não estão preparados. Quanto mais falarmos claramente, sem tabus, mais à vontade se sentem para perguntar coisas”, indica.
Caso os pais não se sintam confortáveis num determinado tema, podem pedir ajuda a um familiar. “Ou podemos adiar as respostas. Os pais não sabem tudo, e eles também precisam de perceber isso. Podem assumir que não sabem, que vão tentar perceber e depois explicam“, propõe a psicóloga, destacando que também podem optar por explicar através dos livros ou de uma história, consoante as idades.
Entre as principais estratégias com perguntas difíceis, Bárbara Ramos Dias sugere “honestidade, clareza no discurso, paciência para os ouvirmos e frases curtas e diretas, em vez de grandes sermões”. É importante “saber ouvir”, bem como partilhar com a criança as emoções, para que ela também se sinta confortável para falar sobre o que sente.
No âmbito da apresentação do livro em perguntas difíceis, marcada para esta quarta-feira, a autora selecionou nove questões e possíveis respostas, que apresentamos em baixo. Para evitar que os pais gaguejem ou corem quando as dúvidas surgirem.
1. Porque não posso levar o telemóvel para a mesa e para a cama?
O que querem saber: porque não podem usar o celular sempre que querem.
É comum vermos os nossos filhos ou outras crianças agarradas ao celular, aliás, como também vemos muitos adultos. Quantas vezes vamos jantar fora e deparamo-nos com famílias sentadas à mesa, e cada elemento no seu mundo? Quem diz jantar, diz ir ao café ou até mesmo ao cinema. O telefone é uma realidade que ao invés de ser apenas uma ferramenta, é agora algo demasiado importante para se pôr de lado, independentemente do que estejamos a fazer. Oriente, coloque regras e limites para o uso do equipamento.
Possível resposta: compreendo que tenhas muita coisa para falar com os teus amigos, mas a hora de jantar e de dormir, cá em casa, são sagradas. Peço-te que percebas que nós também gostamos de conversar contigo à hora de jantar, tranquilamente. Em relação ao telemóvel à hora de dormir, também não vai poder acontecer. Quando chegar a hora de deitar, despedes-te dos teus amigos e no dia a seguir continuam a conversa. É mesmo importante que descanses bem, para que amanhã te sintas a 100%. Assim, o telemóvel fica aqui na entrada, no cesto, onde estão os nossos.
2. O que é o céu? As pessoas que morrem ficam nas nuvens? O que querem saber: como é, o que se faz lá, se as pessoas que morreram estão bem.
A natureza é fantástica para explicar a morte de forma simples. Pode sugerir ao seu filho que imagine como é o céu, através do desenho ou da meditação. Se achar bem, faça este exercício com o seu filho. Pensem em que cor o céu terá, a que saberá, quem estará lá, a que cheira, o que se faz, entre outros. No final, troquem ideias, partilhem o que sentiram, como estiveram, o que viram, ouviram ou cheiraram.
Possível resposta: o céu é aquilo de que tu mais gostas. É um local imaginário criado pela nossa mente. O céu pode ser um lugar seguro onde podemos ir todos os dias, basta fechar os olhos e imaginar.
3. Porque é que o Pai Natal não trouxe o que pedi? O que querem saber: porque é que não tiveram aquilo que tinham pedido, tudo o que estava na sua lista.
No caso de crianças mais pequenas, pode explicar-lhes que o Pai Natal tem de dar assistência a muitas crianças, por isso não pode dar tudo quanto pedimos. Por isso mesmo fazemos uma lista. A lista é importante para lhe dar a escolher, para lhe dar a opção de trazer aquilo que puder. Quando falamos com crianças mais velhas, que pela idade já possuem mais maturidade e maior capacidade de compreensão, podemos explicar-lhes que o Pai Natal é uma figura típica do Natal, uma fantasia.
Pode dizer-lhes que escrever uma carta ao Pai Natal é uma forma de entrarmos no espírito natalício, e uma estratégia divertida para pedir aquilo que gostaríamos de receber. No entanto, somos nós, pais, que compramos esses presentes, e por isso naquele momento não foi possível dar-lhes o que eles pediram. Ainda assim, explique que lhes deu aquilo que pôde, e isso deve ser valorizado.
Possível resposta: o Pai Natal é só um. E há muitas crianças que, tal como tu, lhe escrevem e pedem coisas. Ele não pode trazer tudo, tem de escolher algumas coisas e tem de ver o dinheiro que tem. Sabes, o Pai Natal é como o coelho da Páscoa. São «bonecos» que as pessoas inventaram para tornar esta época mais divertida. Por isso é que escrevemos uma carta, essa carta ajuda a perceber aquilo que as crianças querem receber. São sugestões, ideias que depois os pais veem se podem ou não oferecer.
4. O que é o sexo?
O que querem saber: o que significa e como se faz.
O sexo é dos temas que mais intrigam os pequeninos e constrangem os pais na questão de perguntas difíceis. É sempre preferível ser a mãe ou o pai a fornecer à criança a informação que ela procura, pois, ao procurar outras fontes de informação, esta pode vir distorcida, ou até mesmo retratada de forma fantasiosa. Até aos 5 anos, pode começar por partilhar que o sexo é uma espécie de carinhos que os pais trocam para mostrar que se amam. Depois dos 6 anos, quando as crianças forem maiores, explique que os órgãos genitais da mulher e do homem ficam diferentes, e que esse carinho provoca uma sensação muito agradável. É esse ato que faz com que os bebés existam.
Sempre que falar de sexo,tema relevante em perguntas difíceis, reforce a ideia de que é uma coisa que só os adultos fazem, quando se sentem preparados, sem tabus nem receios, mostrando sempre uma atitude empática e disponível para o diálogo. A partir do 3.º ano de escolaridade, o aparelho reprodutor é falado e ensinado a Estudo do Meio. Aproveite essa altura para ajudar o seu filho a estudar ou a tirar algumas dúvidas sobre o tema. Lembre as palavras que utiliza. A própria matéria do sistema reprodutor é explicada em termos científicos e, muitas das vezes, as crianças não entendem o que estão a ler.
Os livros didáticos disponíveis com perguntas difíceis em muitas das livrarias podem ser excelentes aliados para os pais. As suas ilustrações são, na maioria, indicadas e adequadas para estas idades. Aos adolescentes: Nesta idade será importante começar por explicar a diferença entre sexo e fazer amor. É comum alguns pais, ao verem os seus filhos a chegar à adolescência, sentirem a necessidade de abordar o assunto. No entanto, na sua grande maioria, quando surge «aquela conversa», surgem também sentimentos de vergonha e algum afastamento. É importante dar espaço ao adolescente, não o pressionar, para que, no tempo certo, ele se sinta à vontade e confiante para falar consigo e questionar sobre o que quiser.
Uma das estratégias que normalmente funcionam com perguntas difíceis é perguntar-lhes se gostariam de tirar alguma dúvida sobre o tema. Se existe algo que não percebam. Muitos deles têm dúvidas e não entendem o significado de algumas palavras associadas ao tema do sexo. Não se assuste se essas palavras forem «palavrões» que os seus filhos costumam ouvir ou dizer na escola. É muito comum o vocabulário dos adolescentes estar confuso. O mais difícil é colocar a primeira questão, a partir daí deixe a conversa seguir de forma natural. Se sentir vergonha ou vontade de rir, diga ou mostre, não faz mal, ele compreenderá que também é de pele e osso. Responda de forma simples e clara, sem florear ou despir cruamente as questões, mas sempre de uma forma humana e carinhosa. É um tema que merece toda a nossa atenção e todo o tempo que os nossos filhos precisarem.
Possível resposta à perguntas difíceis: sexo é um ato físico onde os dois corpos se juntam. É feito por pessoas que se amam, ou simplesmente quando existe uma atração física. Fazer amor é fazer sexo, mas de uma forma diferente, onde a troca de afeto é o principal. Mais importante que tudo é respeitares o teu corpo, a tua vontade e o teu tempo. Sabes, o ato sexual, quando realizado sem que estejas devidamente preparado emocionalmente e consciente, pode ser um acontecimento que não dá prazer e, pior, que pode influenciar muito negativamente a tua vida sexual futura.
5. Como é que a semente entra na barriga?
O que querem saber: por onde entra a semente.
Aqui, mais uma vez,em perguntas difíceis, a resposta deve ser direta. Depois dos 6 anos, a criança tem o seu aparelho psíquico mais desenvolvido, pelo que a sua compreensão será outra. Agora deve acrescentar à história como é que «a semente» do pai vai parar ao corpo da mãe, como funciona a gravidez, as suas fases e como o corpo materno alimenta e desenvolve o bebê.
Como já referi em perguntas difíceis, o aparelho reprodutor é ensinado no 3.º ano de escolaridade. Aproveite a oportunidade. Se tiver um filho adotivo, seja sincero. Honestidade é a melhor forma de ganhar a sua confiança. Pode dizer que tem 2 mães e 2 pais, acrescentando que o pai e a mãe que o fizeram não conseguiram tomar conta dele, o que os fez sentir muito tristes, e por isso vocês decidiram tomar conta dele. É importante reforçar que os quatro o amam muito, embora uns sejam os biológicos e os outros os pais de coração.
Possível resposta: a semente entra quando duas pessoas se amam, existindo a união de dois corpos como se fosse um só. Nessa altura o homem, através do pénis, coloca uma semente na vagina da mulher, tal como acontece com os animais. Anda, vou mostrar-te um livro, talvez seja mais fácil.
6. Porque não me deixas ter Facebook, se já tenho 10 anos?
O que querem saber: porque não podem ser iguais aos outros miúdos.
Esse tema em perguntas difíceis é um dos principais. Quando o nosso pré-adolescente nos começa a pedir um celular ou o acesso às redes sociais para estar em contacto com os amigos e com o mundo, devemos perguntar-nos a nós mesmos se ele está informado, preparado, se é maduro o suficiente para fazer uma utilização correta das ferramentas. Ceder a esta exigência deles é sempre uma escolha dos pais, tendo em conta a maturidade que o jovem apresenta para lidar com este tipo de situação. No entanto, no caso de se ceder, recomenda-se sempre uma conversa prévia sobre os perigos das redes sociais, alertar para a recessão de pedidos de amizade de estranhos, acordar com ele que poderá ter acesso à conta dele, negociar com ele horários e contextos de utilização, etc. Caso considere que o seu filho ainda não está preparado para fazer uma gestão correta, então devolva-lhe um «não» de amor, explicando sempre as razões por detrás da recusa.
Possível resposta à perguntas difíceis: é verdade, já tens 10 anos. Mas achas que precisas de telemóvel? Ou apenas queres porque os outros têm? Sabes, eu e o pai achamos que ainda não estás preparada para ter acesso ao Facebook. Compreendo que alguns dos teus amigos tenham e que tu queiras ter também, mas acho que na tua idade tu e os teus amigos devem brincar e correr no recreio, em vez de trocarem likes. Se quiseres perceber como funciona, podemos ver o da mãe um bocadinho a seguir ao jantar e eu vou-te explicando algumas coisas, o que achas? E sempre que quiseres falar com os teus amigos, falas através do meu.
7. Porque não posso sair à noite? Já tenho 14 anos.
O que querem saber: se as amigas podem sair, porque é que elas não podem.
A autonomia é crucial na fase da adolescência. Sentem-se muito crescidos e independentes, facto que os leva a pensar saber tudo acerca do mundo que os rodeia. A questão é que se esquecem, ou desconhecem, os perigos que poderão ter de vir a enfrentar. Acreditam que são suficientemente capazes de lidar com todas as situações que o mundo tem para lhes mostrar. Aliás, eles estão ansiosos por provar ao mundo, e aos pais, que conseguem tudo sozinhos.
Possível resposta à perguntas difíceis: sei que já és responsável e consegues tomar conta de ti, mas também sei o quanto é fácil no meio da conversa e da boa disposição cometermos alguns excessos que nos podem fazer pensar de forma um pouco incorreta. Acredito que não vais fazer nada de mal, confio em ti. Mas há experiências que deves ter só com determinada idade. É por algum motivo que só se entra nas discotecas aos 16 anos. Todas as nossas ações têm consequências e mostram a nossa maturidade.
Se ainda não tens idade para trabalhar (18 anos), ou mesmo dirigir (18 anos), também não tens idade para ir a locais onde não podes deslocar-te sozinha, pagar os consumos que gostarias de fazer e, muito pior, não tens idade legal para entrar. Lembras-te, no outro dia ficaste duas horas em casa sozinha e tiveste medo (estavas em tua casa, no teu espaço protegido). Como podes ter maturidade para ir sair à noite para ambientes abertos ou fechados onde estão pessoas estranhas? Quem não quer, nem consegue por iniciativa pôr a mesa do jantar, também não pode ter a liberdade de ir pagar bebidas a estabelecimentos noturnos com o dinheiro dos pais. Lembra-te, liberdade, autonomia e independência são valores que vamos ganhando ao longo da vida, com o poder das nossas escolhas diárias.
8. Se tu fumas e bebes, porque é que eu não posso?
O que querem saber: se fumar/beber é bom ou faz mal?
Aqui o exemplo pega em perguntas difíceis, Se algum dos pais fuma ou bebe com regularidade, é perfeitamente normal que o seu filho, em determinado momento na sua vida, queira experimentar e perceber porque o faz. Se não tiver esse hábito, não quer dizer que o seu filho não tenha interesse em experimentar, até porque provavelmente terá um amigo na escola que o faz ou que já experimentou. Isto não é um passo obrigatório, até porque existem casos em que, pelos pais fumarem e os filhos considerarem desagradável, criam aversão e recusam.
Outro tema em perguntas difíceis, Fale abertamente sobre as drogas, sem tabus nem julgamentos. Afinal só podemos formar uma opinião sobre algo se detivermos conhecimento sobre o mesmo, certo? Se assim é, mais vale que esse conhecimento advenha da sua parte do que de terceiros. Desvende as consequências de determinadas escolhas, bem como os diferentes tipos de drogas que existem, de forma que ele compreenda as diferenças e seja um adolescente informado e mais responsável.
Possível resposta: sabes o que são drogas? O que elas provocam? O que te pode acontecer? Porque é que achas que as pessoas consomem drogas? Achas que são mais felizes? Vou explicar: as drogas são substâncias que alteram o nosso comportamento. Imagina não conseguires controlar o teu corpo e a tua mente… Ficas «prisioneiro» de uma substância, deixas de mandar em ti próprio. És um miúdo super forte e corajoso, não queres isso, pois não?
9. Porque tenho de estudar?
O que querem saber: para que servem aquelas disciplinas chatas.
Por norma, não percebem a real importância do estudo na vida, não gostando muito do esforço sem compensação imediata a que estão habituados. Além disso, a forma como estudam pode não estar ajustada ao seu estilo de aprendizagem, levando a maiores níveis de frustração perante a tarefa e criando alguma «repulsa» ao estudo.
Explore como é que ele se sente mais confortável a estudar. Estudar não precisa de significar ficar de «castigo» em frente aos livros, pode ser algo mais divertido, dependendo da sua personalidade. Procure desenvolver a consciência de objetivos a longo prazo, bem como o percurso que terá de fazer para lá chegar. Que é um caminho percorrido desde o dia em que entram para a primária até ao dia em que começam a trabalhar. Os nossos filhos devem crescer com a noção de que a escola é uma prioridade na vida.
Possível resposta: compreendo que te pareça pouco provável que irás precisar desta informação toda para a tua vida. Já passei por isso e também pensava assim. Mas a verdade é que o que estás a estudar são apenas as bases que vais precisar para começar a organizar a tua vida. Vais ter disciplinas de que vais gostar mais e outras que nem tanto, que te vão parecer mais «secantes». Isso é normal, eu e o pai também o passamos por isso. Com o passar das etapas escolares, vais fechando o leque e, quanto mais etapas subires, mais interessantes vão ficando as matérias, porque vão sendo mais ajustadas aos teus interesses.
Esta fase mais geral é algo por que temos todos de passar, para perceber que matérias interessam mais a cada um de nós. Só depois estamos aptos a fazer uma seleção mais consciente da área que queremos seguir. Imagina que vais a um restaurante novo. Não vais poder saber qual dos pratos gostas mais e quais os que não gostas se não os experimentares todos, certo? Agora imagina que só tinhas português, que por acaso até gostas, mas e se não tivesses ciências, como poderias saber se preferias português ou ciências? Por isso te digo que é importante estudar muito, mesmo aquelas matérias que achas mais chatas. Acredita, só tendo uma nota razoável em todas as disciplinas é que consegues subir os degraus até à altura em que só vais estudar o que gostas realmente.
Fonte: Joana Capucho para o Diário de Notícias